segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Branca como a Paixão ( Um conto sobre o Amor)






- Ai que maravilha!  Há tanto amor e tantos suspiros nestes corpos brancos.

Era assim que David os observava todos os dias nas alvas matas, naqueles campos floridos onde se refugiava dos demônios colossais por quais tanto ele era açoitado, a constatação do amor em sua essência mais concreta, o que ele acreditava ser, e personificava em seu intimo como o sentimento supremo: “AMOR” nada mais que o amor. A exemplificação daquilo que tinha como o verdadeiro amor.
Era árdua sua semana, trabalhava exaustivamente doze horas por dia. Morava só há quatro anos e meio, desde que sua família inteira havia morrido num desastre de avião a caminho de João pessoa.  Negócios familiares os obrigaram a partir numa viajem que os conduziriam de encontro à morte. Negócios estes lucrativos, mas não o bastante que comprassem o beneficio da respiração.
Desde o acidente, iniciou-se uma guerra burocrática sem parâmetros onde certas promessas de indenização culminaram numa espera desgastante e financeira  para David, espera que quase o  tragou para um buraco de degradação pessoal e profissional.
-Sarah me ama, muito. Daria a vida por mim e eu por ela. Ela me ama quando não estou vendo. Ela é verdadeira. O meu amor que há cinco anos me apoia, mesmo depois de tantas brigas – era assim que David se referia à mulher que tanto o aguentou e o amou. O baque fora tamanho, que o coitado havia tentado se enforcar com a cinta, por sorte o caibro da casa quebrou. Sorte ou azar? Pois a realidade de ver Sarah de mãos dadas com o advogado que cuidou do caso de sua família era tão estarrecedor quanto qualquer suspiro de realidade. Parecia que um erro mecânico não só apenas havia colocado um fim em sua família, mas também em seu coração. O erro da maquina carnal, aquela que destrói impérios; cria e destrói deuses, e eras.
-Aconteceu, foi espontâneo e sem pretensão de magoar. Perdoa-me - Sarah implorava com olhos falsos. Mas caia por terra qualquer expectativa de perdão.
Era semana após semana, 12 horas de intenso empenho. A cabeça rodopiando e uma infinidade de problemas pessoais que não caberiam em dez paginas se os mesmos fossem citados. Aquele serviço de Porteiro só intensificava seus pensamentos. Mas exatamente há nove semanas ao cortar caminho, na volta, entrando por traz da chácara do Genilson, temendo pegar uma rua alagada, depois de um temporal, foi que veio seu primeiro deslumbre.
 O condomínio onde trabalhava ficava próximo a uma zona rural, e se encontrava a menos de Cinco quilômetros de sua casa. Com os temporais dos últimos dias, o trajeto feito pelo ônibus era quase que sempre alagado, o obrigando a descer do ônibus, voltar e pegar outra condução que acrescentaria uma hora a mais em seu percurso de volta. Mas desta vez ele não havia arriscado, decidiu cortar por traz da chácara do Genilson, chácara que ficava a poucas quadras do condomínio. Esta nova rota o conduziria por um bosque e reduziria seu caminho em até 40 minutos, isso a pé.
David caminhou, bastante, era jovem, 26 anos, tinha um bom físico. Passou por arvores frondosas, tocas de coelho, micos e capivaras. O bosque era assim, lindo, inteiro florido; com rosas, mangueiras, pássaros cantando; uma áurea tão positiva que era impossível não enxergar os raios solares invadindo por frestas e iluminando o solo, as folhagens e os cogumelos, e não sorrir. Seu cheiro lembrava uma infância esquecida, proveitosa nos pés de carambolas de sua madrinha.  David amava e odiava aquelas lembranças, talvez por parecerem longínquas demais, quase que inexistentes, às vezes chegava a duvidar de suas veracidades.
O Bosque era assim. Tão bonito quanto qualquer uma destas fábulas infantis.  Lindo, lindo e ameno.
O que era um improviso virou um habito, e todos os dias mesmo com sol, David cortava pelo bosque e andava admirando e respirando aquela beleza inefável.  Mas desde o primeiro dia ele observava ao longe num tronco cortado aquele albino casal. Os dois amantes  sempre se beijavam, e David observava por alguns minutos, todos os dias a mesma coisa, no mesmo horário: Casal coladinho se beijando ardentemente, nem sequer respiravam de tanta concentração. Um abraço de infinito e um carinho paralisado no tempo.
- Ai que maravilha, há tanto amor e tantos suspiros nestes corpos brancos- ele pensava, dizia e por muitas vezes quase gritava. Aquilo se tornara o ápice das sensações. O carinho esquecido, a promessa não cumprida  -Sara desmembrada e cuspida.  Aquilo havia se tornado a tradução do seu sentimento para com o amor, a mais alta e fiel personificação da sua alma; da dureza dos últimos anos, das suas desilusões e esperanças. O deixava imóvel, intacto e pasmo, com um sorriso quase empalhado em seu rosto...
Aquilo era para David o Amor. Teria sorte se durasse mais uma semana sem que alguém viesse buscar aquele apaixonado casal. Naquele lixão que começara no centro do bosque há nove semanas, Sempre que o caminhão despejava algo proveitoso, era questão de Dias para algum catador resgatar. Ainda mais uma escultura em gesso tão magnifica e quase em perfeito estado. Mas ela ainda estava ali, tão imóvel quanto ele, fria e branca, e ele arriscaria mais um dia pelo bosque com a mesma apaixonada esperança de poder vislumbra-los mais uma vez. O coração batendo forte e o sorriso amarelo fixado na orbita de seu engano.

(Y D M )

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