- Ai que maravilha! Há
tanto amor e tantos suspiros nestes corpos brancos.
Era assim que David os observava todos os dias nas alvas
matas, naqueles campos floridos onde se refugiava dos demônios colossais por
quais tanto ele era açoitado, a constatação do amor em sua essência mais
concreta, o que ele acreditava ser, e personificava em seu intimo como o
sentimento supremo: “AMOR” nada mais que o amor. A exemplificação daquilo que
tinha como o verdadeiro amor.
Era árdua sua semana, trabalhava exaustivamente doze horas
por dia. Morava só há quatro anos e meio, desde que sua família inteira havia
morrido num desastre de avião a caminho de João pessoa. Negócios familiares os obrigaram a partir numa
viajem que os conduziriam de encontro à morte. Negócios estes lucrativos, mas
não o bastante que comprassem o beneficio da respiração.
Desde o acidente, iniciou-se uma guerra burocrática sem
parâmetros onde certas promessas de indenização culminaram numa espera
desgastante e financeira para David,
espera que quase o tragou para um buraco
de degradação pessoal e profissional.
-Sarah me ama, muito. Daria a vida por mim e eu por ela. Ela
me ama quando não estou vendo. Ela é verdadeira. O meu amor que há cinco anos
me apoia, mesmo depois de tantas brigas – era assim que David se referia à
mulher que tanto o aguentou e o amou. O baque fora tamanho, que o coitado havia
tentado se enforcar com a cinta, por sorte o caibro da casa quebrou. Sorte ou
azar? Pois a realidade de ver Sarah de mãos dadas com o advogado que cuidou do
caso de sua família era tão estarrecedor quanto qualquer suspiro de realidade.
Parecia que um erro mecânico não só apenas havia colocado um fim em sua
família, mas também em seu coração. O erro da maquina carnal, aquela que destrói
impérios; cria e destrói deuses, e eras.
-Aconteceu, foi espontâneo e sem pretensão de magoar.
Perdoa-me - Sarah implorava com olhos falsos. Mas caia por terra qualquer
expectativa de perdão.
Era semana após semana, 12 horas de intenso empenho. A
cabeça rodopiando e uma infinidade de problemas pessoais que não caberiam em
dez paginas se os mesmos fossem citados. Aquele serviço de Porteiro só
intensificava seus pensamentos. Mas exatamente há nove semanas ao cortar caminho,
na volta, entrando por traz da chácara do Genilson, temendo pegar uma rua
alagada, depois de um temporal, foi que veio seu primeiro deslumbre.
O condomínio onde
trabalhava ficava próximo a uma zona rural, e se encontrava a menos de Cinco
quilômetros de sua casa. Com os temporais dos últimos dias, o trajeto feito
pelo ônibus era quase que sempre alagado, o obrigando a descer do ônibus,
voltar e pegar outra condução que acrescentaria uma hora a mais em seu percurso
de volta. Mas desta vez ele não havia arriscado, decidiu cortar por traz da
chácara do Genilson, chácara que ficava a poucas quadras do condomínio. Esta
nova rota o conduziria por um bosque e reduziria seu caminho em até 40 minutos,
isso a pé.
David caminhou, bastante, era jovem, 26 anos, tinha um bom
físico. Passou por arvores frondosas, tocas de coelho, micos e capivaras. O
bosque era assim, lindo, inteiro florido; com rosas, mangueiras, pássaros
cantando; uma áurea tão positiva que era impossível não enxergar os raios
solares invadindo por frestas e iluminando o solo, as folhagens e os cogumelos,
e não sorrir. Seu cheiro lembrava uma infância esquecida, proveitosa nos pés de
carambolas de sua madrinha. David amava
e odiava aquelas lembranças, talvez por parecerem longínquas demais, quase que
inexistentes, às vezes chegava a duvidar de suas veracidades.
O Bosque era assim. Tão bonito quanto qualquer uma destas
fábulas infantis. Lindo, lindo e ameno.
O que era um improviso virou um habito, e todos os dias
mesmo com sol, David cortava pelo bosque e andava admirando e respirando aquela
beleza inefável. Mas desde o primeiro
dia ele observava ao longe num tronco cortado aquele albino casal. Os dois
amantes sempre se beijavam, e David
observava por alguns minutos, todos os dias a mesma coisa, no mesmo horário: Casal
coladinho se beijando ardentemente, nem sequer respiravam de tanta concentração.
Um abraço de infinito e um carinho paralisado no tempo.
- Ai que maravilha, há tanto amor e tantos suspiros nestes
corpos brancos- ele pensava, dizia e por muitas vezes quase gritava. Aquilo se
tornara o ápice das sensações. O carinho esquecido, a promessa não
cumprida -Sara desmembrada e cuspida. Aquilo havia se tornado a tradução do seu
sentimento para com o amor, a mais alta e fiel personificação da sua alma; da
dureza dos últimos anos, das suas desilusões e esperanças. O deixava imóvel,
intacto e pasmo, com um sorriso quase empalhado em seu rosto...
Aquilo era para David o Amor. Teria sorte se durasse mais
uma semana sem que alguém viesse buscar aquele apaixonado casal. Naquele lixão
que começara no centro do bosque há nove semanas, Sempre que o caminhão
despejava algo proveitoso, era questão de Dias para algum catador resgatar.
Ainda mais uma escultura em gesso tão magnifica e quase em perfeito estado. Mas
ela ainda estava ali, tão imóvel quanto ele, fria e branca, e ele arriscaria
mais um dia pelo bosque com a mesma apaixonada esperança de poder vislumbra-los
mais uma vez. O coração batendo forte e o sorriso amarelo fixado na orbita de
seu engano.
(Y D M )